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Mortes entre caixas aumentaram 60% no Brasil no auge da pandemia

Mortes entre caixas aumentaram 60% no Brasil no auge da pandemia

17/04/2021

 

Levantamento feito com base no Caged revela aumento de óbitos de trabalhadores de serviços considerados essenciais e que não puderam ficar em casa.

 

Frentistas de postos de gasolina, caixas de supermercado, motoristas de ônibus, vigilantes. Essas são algumas das profissões que mais matam no Brasil em tempos de pandemia. O levantamento, feito para o El País pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, indica que trabalhadores que não puderam ficar em casa foram os mais atingidos pelo novo coronavírus. Frentistas de posto de gasolina, por exemplo, tiveram um salto de 68% na comparação das mortes entre janeiro e fevereiro de 2020, pré-pandemia, e dois dos piores meses da crise sanitária, no início de 2021.

Operadores de caixa de supermercado perderam 67% mais colegas no mesmo período. Motoristas de ônibus tiveram 62% mais mortes. Entre os vigilantes, que incluem os profissionais terceirizados que monitoram a temperatura de quem entra em shoppings centers, houve 59% de mortes a mais.

As conclusões vêm de uma análise do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Novo Caged, ligado ao Ministério da Economia. O sistema coleta, mês a mês, informações sobre contratos formais de emprego, inclusive o motivo de encerramentos. Morte é um deles, embora não seja informada a causa. Por isso, não é possível saber se todo o contingente de óbitos se deve apenas à Covid-19, mas é possível adaptar o conceito de “excesso de mortes” com base neste banco de dados.

Excesso de mortes – Em tempos de pandemias, os epidemiologistas costumam usar o conceito de “excesso de mortes” para tentar avaliar o impacto da doença sobre a vida da população. Mesmo que uma pessoa não morra diretamente da enfermidade da vez, ela pode morrer por outras complicações decorrentes de sua existência, como a falta de vagas no hospital num caso de urgência. Então, o procedimento normalmente usado é calcular a média de mortes esperada para um dado período e comparar esse dado ao total de mortes registradas por quaisquer causas na pandemia.

Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass, o Brasil teve mais de 275.500 mortes por causas naturais a mais que o esperado para o país em 2020, um excesso de óbitos de 22%. O que a análise dos dados do Caged sinaliza – de maneira inédita – é o custo da Covid-19 para os trabalhadores de atividades consideradas essenciais. O levantamento mostra taxas de excesso de mortes bem superiores à média da população. São números fortes, principalmente considerando que o cadastro do Ministério do Trabalho só capta dados do mercado formal. Ou seja, não estão contabilizadas aqui as mortes de autônomos e microempresários individuais.

O Sivep-Gripe, sistema do Ministério da Saúde que organiza informações sobre cada paciente que esteve internado para tratar a Covid-19, até tem um campo para informar a ocupação do paciente, mas na maior parte dos casos ele não é preenchido. Caso fosse, seria possível avaliar até mesmo as ocupações de pacientes sem emprego formal. A exposição profissional ao risco de infecção é um ponto cego na maioria dos sistemas de saúde do mundo.

Entre os dois primeiros meses de 2020, quando a pandemia ainda não havia causado nenhuma morte no país, e os dois primeiros de 2021, quando grande parte das UTIs brasileiras já não dava conta de tratar de todos os pacientes que chegavam em estado grave, um terço a mais de mortes foi registrado considerando a soma de todas as atividades profissionais. O salto é de 8.633 em 2020 para 11.424 em 2021. A análise mostra que a mortalidade foi mais alta nas atividades mais claramente essenciais, como comércio de víveres e transportes. Olhando os aumentos de maneira proporcional, as ocupações com os maiores aumentos de mortes são as que dependem de contato direto com o público e não pararam durante a pandemia.

Profissionais de saúde e construção civil – Profissionais da saúde também aparecem na lista do Caged, e os maiores números de mortes foram registrados entre os profissionais de enfermagem, especialmente os técnicos. Nos primeiros meses da pandemia, havia escassez de equipamentos de proteção individual, os EPIs. De fevereiro a abril, o número de mortes de técnicos de enfermagem captadas pelo Caged chegou a saltar de 44 para 84 em um mês. Os profissionais da saúde são os mais expostos ao contágio, pois tratam diretamente os pacientes.

Mesmo tratando apenas de profissionais com vínculo empregatício formal, os dados do Caged são mais altos do que os do Conselho Federal de Enfermagem. Em janeiro, segundo eles, 47 profissionais do ramo haviam morrido. O Caged contabiliza 104 contratos encerrados no mês devido à morte do profissional.

Sem escolha – Nas últimas semanas, desde que alguns estados começaram a aplicar medidas para reduzir os estabelecimentos comerciais abertos, as redes sociais foram tomadas por bordões como “todo emprego que sustenta uma família é essencial”. Com a renda reduzida e sem auxílio emergencial, muitos trabalhadores se veem emparedados no dilema entre a certeza de passar dificuldades em poucos dias sem trabalhar e a chance de talvez morrer com a volta às atividades normais. Esse discurso trata como “privilegiados” aqueles trabalhadores que não puderam trabalhar de casa, mas também não ficaram sem renda, ganha outro matiz diante da análise do excesso de mortes.

Com um ano de pandemia e uma média diária de mortes superior a 3 mil pessoas, as dificuldades se acumulam. Medidas como o distanciamento social mais severo, que poderia ter evitado o espalhamento da doença, chegam quando já é tarde demais, em parte devido à falta de coordenação sanitária por parte do governo federal. O quarto ministro da saúde, Marcelo Queiroga, começou a fazer campanha pelo uso de máscaras só após o país superar a marca das 300 mil mortes. A volta do auxílio emergencial, que terá início nesta semana, tem valores muito mais modestos do que os concedidos no ano passado.

“Esses trabalhadores revoltados com a situação não precisavam estar nessa situação. Como é que se coloca uma pessoa numa escolha dessas?”, questiona Yuri Lima, da UFRJ, que defende políticas de renda e crédito para manter as pessoas vivas sem precisar sair de casa e mais empregos garantidos para quando a situação melhorar. “O auxílio já é muito pouco para alimentar uma família, mas sem ele é inviável ficar em casa”, diz.

Na comédia dos erros brasileira, Bolsonaro passou 13 meses insistindo no falso dilema entre salvar vidas e salvar a economia. Acabou prejudicando ambas.

Fonte: El País

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